18 março 2013

169 anos do nascimento de Nikolai Rimsky-Korsakov (1844)

SCHEHERAZAD

(Rimsky Korsakov)

Conta-me contos até não haver
Mais em mim que morrer...
Até que num espaço entre vida e morte
Se passe a minha sorte...

Conta-me contos, lendas, suaves, tanto
Que seja(m) uma só coisa
Elas e o seu indefinido encanto...

[...]

Ah, conta, conta, e a vida esqueça em tudo!
Conta, meus gestos tragam o veludo
De serem só inadequadamente...
Conta... E que ouvindo-te, sem querer,
Como uma música que vem, meu ser
Passe de pertencer ao mundo vão
E fique a ser eternamente
Uma figura num conto teu
Qualquer coisa em teu mundo
Vive só na tua imaginação.

Ah, mais vale sonhar estar-te ouvindo
Que ouvir-te! Conta... Vindo
De ti, os contos passam devagar
E a sua pompa é todo o céu e o ar...

Conta... O silêncio abre alas de cetim
Do teu conto até mim...
Um séquito de sombras é de prata
No que em ti se desata
De pertencer-me e vem até aos dedos
Com que desfolhas esses vãos segredos...

O sultão escutava-te eu a ouvir...
Ouvi a tua voz só por possuir
O sentido oposto do teu conto...
Tudo erra música que te narrava...
[...]

Scheherazad — quantas coisas
Ficaram por contar que tu contaste...
(Fernando Pessoa, Poesia (1902–1917), pp. 345–346)



* 6 de março, segundo o calendário juliano, então em uso na Rússia.